Nós viajávamos juntos em busca de trilhas distantes, nós descobríamos
os detalhes de uma nova cidade percorrendo-a de bicicleta, nós tomávamos litros
de vinho tinto durante o inverno gélido e também quando não fazia tanto frio
assim, nós éramos os anfitriões dos amigos que vinham nos visitar e éramos,
depois, a visita aguardada na casa deles, em retribuição.
Nós éramos torcedores do mesmo clube de
futebol e, em alguns casos, não torcíamos para ninguém, apenas para nós mesmos.
Nós – o nome do nosso time. Nós – uma espécie de identidade secreta. Nós – o
elenco da peça em que atuávamos: uma história de amor para dois personagens
principais.
Como quase sempre acontece, às vezes cedo
demais, às vezes com atraso, o “nós” se desmembra e volta a ser apenas eu e
apenas você, dois times distintos, duas identidades avulsas, dois personagens
que já não contracenam. Um final triste, mas digerível – a vida é assim, fazer
o quê.
E então um dia você telefona para seu
antigo amor e escuta do outro lado da linha algo inacreditável como “Nós
estamos de saída, poderia telefonar amanhã?”.
Você está falando com seu ex. Uma unidade.
Que “nós” é esse que não se refere mais a você e ele juntos?
Seu antigo par formou um novo plural. Ele
voltou a ser nós. Você ainda é só você, um singular.
Onde foi parar a misericórdia? A
sensibilidade recomenda não anunciar a nova condição conjugal antes de todos os
corações estarem cicatrizados. O uso do pronome pessoal pode ser uma forma
sutil de dizer que a fila andou, mas não ameniza o golpe.
Um amigo me contou esse baque pelo qual
passou e estou tentando fazer uma narrativa refinada do seu desalento,
transformá-lo em poesia, literatura, canção, sei lá, encontrar alguma análise
confortante para esse “nós” que ele pescou no ar, durante uma conversa trivial,
um “nós” que já havia sido dele e que agora não lhe pertencia mais.
Só que não há como confortar. É natural que
sejamos exclusivistas e nostálgicos em relação ao “nós” que era nosso, aquele
“nós” que depois entrou num vácuo, se desfez, silenciou. O fim simultâneo do
que era seu e de outra pessoa foi o último ato de intimidade entre vocês. Até o
surgimento deste outro “nós” que agora pertence só a eles dois – e que te dói –
Revista O
Globo domingo (9) – Enviado por Cacau Quil