As fotos em preto e branco e os vídeos borrados dão impressão de que
a Segunda Guerra Mundial aconteceu há muito tempo e já está devidamente
enterrada no jardim da História. Mas década de 1940 não está tão longe assim de
nós: é muito provável que familiares e conhecidos de você, caro leitor, já eram
nascidos enquanto o conflito global acontecia. Em termos históricos, somos
praticamente contemporâneos das milhões de mortes de soldados e civis, da bomba
atômica e do genocídio sistemático de judeus, homossexuais, eslavos, ciganos e
outras minorias. O fantasma do nazismo e o horror liderado pelo ditador
austríaco Adolf Hitler, infelizmente, ainda nos assombram.
Parece difícil
entender como a nação que foi o berço de Johan Bach, Ludwig van Beethoven,
Immanuel Kant, Friedrich Hegel e Albert Einstein também tenha abrigado uma
ideologia sustentada a partir do ultranacionalismo e de pseudoteorias raciais para
empreender perseguições e assassinatos em massa.
Mais espantoso
ainda é saber que Hitler não chegou ao poder por conta de um golpe de Estado ou
de uma conspiração militar: em 1932, ele recebeu mais de 13 milhões de votos durante
as eleições presidenciais da Alemanha, ficando na segunda colocação da disputa,
e deputados do Partido Nazista conseguiram dezenas de cadeiras no Parlamento –
em 1933, com grande respaldo popular, Hitler seria nomeado chanceler alemão até
tomar definitivamente o poder no ano seguinte e iniciar a perseguição a
opositores políticos.
É verdade que o
carisma e o poder da oratória de Hitler contribuíram para esse momento de
“transe coletivo” da população alemã, mas a ascensão do Partido Nazista e os
fatos que culminaram com a Segunda Guerra Mundial não devem ser entendidos como
uma obra exclusiva do ditador. Afinal, quando Hitler chegou ao poder, a
Alemanha passava por um momento de profunda crise política e econômica: as
lembranças da derrota na Primeira Guerra Mundial ainda eram muito recentes e as
pesadas sanções impostas por França e Inglaterra se refletiam nos altos índices
de desemprego e na inflação incontrolável... Para piorar, o sistema político
estava fragilizado e a população não confiava em seus representantes: o Partido
Social-Democrata, ligado aos trabalhadores, estava no poder na década de 1920,
mas não foi capaz de lidar com os anseios das classes populares.
Como momentos
difíceis tendem a aprofundar radicalismos, a conjuntura alemã se tornou um
terreno fértil para os discursos de um homem que tinha nascido na Áustria, mas
lutado pela Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. Aos 36 anos, em 18 de
julho de 1925, Adolf Hitler publicava Minha Luta, escrito durante o período de
sua prisão após uma tentativa de rebelião na cidade de Munique, em 1923.
O livro se
tornou o guia ideológico utilizado posteriormente pelo Partido Nazista e reunia
a exaltalção do sentimento nacionalista baseado a partir de conceitos raciais,
o revanchismo contra os países vitoriosos na Primeira Guerra e o funcionamento
de um Estado totalitário que não permitia a diversidade política ou partidária.
Após a chegada
de Hitler ao poder, os direitos autorais de Minha Luta foram transferidos para
o estado da Baviera, que abriga a cidade de Munique. Com o fim da Segunda
Guerra Mundial, a Alemanha iniciou uma campanha para destruir a herança nazista
e impedir que iniciativas desse tipo voltassem a acontecer – até hoje, o Estado
alemão se mantém distante de qualquer tipo de evocação política aos sentimentos
nacionalistas. Durante 70 anos, o estado da Baviera proibiu que Minha Luta fosse
reeditado e vendido, mas ao final de 2015 a obra caiu em domínio público e foi
impressa por editoras de todo o mundo.
É compreensível
e justa a preocupação alemã em não permitir que os ideais de Adolf Hitler e do
Partido Nazista entrassem em contato com as novas gerações. Mas a leitura de Minha
Luta pode, justamente, ser uma importante ferramenta para que os horrores passados
não voltem a se repetir: em um momento global de crise econômica e desencanto
com a política, não faltam discursos inflamados de pessoas que prometem respostas
fáceis para questões complexas, estimulando o nacionalismo e o discurso de ódio
contra aqueles que têm um pensamento diferente.
O conhecimento,
então, se torna a arma fundamental para que a humanidade não enfrente outros
pesadelos como aqueles vividos no século 20. Nesse caso, a História é
ferramenta essencial para analisar o passado, entender o presente e transformar
o futuro para melhor – Confere
lá