O
romancista Mario Vargas Llosa, criador de obras-primas como Conversa na
Catedral, A guerra do fim do mundo e Tia Júlia e o escrevinhador, é um dos
maiores escritores da atualidade. Pela excelência de sua literatura, ganhou o
Prêmio Nobel. Em suas palestras... Llosa se tornou um intelectual engajado.
Suas causas são a liberdade e a democracia. O bom combate leva o autor peruano,
que mora em Londres, a viajar pelo mundo. No giro mais recente, antes de vir ao
Brasil, Llosa esteve na Argentina e no Chile. Ele está otimista com a América
Latina, incluindo o Brasil. Llosa acha que nossa democracia sairá fortalecida,
e não enfraquecida, do segundo processo de impeachment em menos de 30 anos.
Abaixo trecho da entrevista concedida a revista Época na sexta (13):
O impeachment da
presidente Dilma Rousseff representa uma ameaça à democracia, como diz o
governo brasileiro?
–Não creio que a democracia brasileira esteja ameaçada. Ao
contrário. O que está ocorrendo pode representar um fortalecimento da
democracia no Brasil.
Por quê?
–O movimento popular que surgiu no Brasil é um movimento
anticorrupção, de purificação da democracia, de melhoramento das instituições.
E, sobretudo, de repúdio à ideia de que chegar ao poder seja um pretexto para
enriquecer usando meios ilegais. Esse movimento mostra que havia mais corrupção
do que parecia no Brasil, e rechaça a prática. A corrupção, em toda a América
Latina, é uma gangrena contra as instituições democráticas.
O senhor vive em
Londres. Como os europeus veem a situação atual do Brasil?
–A ideia de que há um golpe em curso no Brasil é o argumento
principal da presidente Dilma Rousseff. Mas não acho que seja possível levar
essa ideia a sério. Minha impressão é que estão sendo cumpridos todos os passos
estabelecidos pela legalidade brasileira. Se houver impeachment, como parece
que haverá, ele se dará estritamente dentro da moldura legal, que assim sai
fortalecida. Creio que, se há uma ameaça à legalidade brasileira, essa ameaça
está na corrupção, que cria um desencanto muito grande com as instituições
democráticas.
Outro assunto muito
discutido no país, além da corrupção, é a derrocada econômica, que está na raiz
do processo de impeachment.
–Espero que o impeachment, se ocorrer, sirva como um aviso
para evitar a desonestidade nos cargos públicos, mas não apenas isso. É preciso
evitar também as políticas fiscalmente irresponsáveis. Creio que a
irresponsabilidade, que é o populismo, está muito ligada à corrupção.
Qual a relação entre
corrupção e irresponsabilidade fiscal?
–O populismo serve para ocultar, para disfarçar as
transgressões da lei. Eu acredito que as duas coisas, populismo e corrupção,
andam sempre juntas. [...].
Há dois tipos de
governos de esquerda na América Latina. No Peru e no Chile, há responsabilidade
fiscal e respeito às regras democráticas. Já no Equador, na Venezuela e na
Bolívia – e na Argentina até recentemente –, o modelo é diferente. Por que isso
acontece?
–Isso ocorre porque países como Equador, Venezuela e Bolívia
são governados por mandatários que têm uma inclinação muito forte ao populismo.
Mas minha impressão é que há uma reação na América Latina contra o populismo.
Formou-se uma consciência de que o populismo significa sacrificar o futuro em
troca de um presente que é muito efêmero. E o custo é sempre muito alto,
principalmente para os mais pobres, que não têm como se defender de uma
inflação alta, por exemplo. Minha visão da América Latina não é 100% otimista,
porque na América Latina sempre podem ocorrer catástrofes. Mas tenho a
impressão de que se compararmos a América Latina atual com a de 30 anos atrás
há um progresso considerável. No passado tínhamos ditaduras militares e
revoluções armadas. Agora temos democracias imperfeitas, mas que podem ser
corrigidas.
O senhor é peruano.
Como vê o caso específico do Peru, governado pela esquerda e considerado um
exemplo de boa gestão econômica por organismos internacionais?
–É muito interessante o que se passa no Peru. Desde que caiu
a ditadura, no final do século passado, houve três, quase quatro governos
distintos que mantiveram o respeito à democracia política e – algo que é muito
raro na América Latina – uma continuidade da política econômica. Uma política
com abertura dos mercados, integração aos mercados do mundo, e incentivos aos
investimentos. Com isso, reduziu-se bastante a pobreza extrema e houve um
crescimento significativo das classes médias. Oxalá essa continuidade, que é rara
também na história do Peru, se mantenha.
O senhor já foi
fascinado pelo socialismo cubano. Pode falar sobre isso?
Minha geração queria ver no socialismo cubano um socialismo
diferente, que não havia passado por um partido comunista, que parecia aberto à
coexistência de ideias e valores diferentes. Parecia que finalmente teríamos
uma revolução com liberdade e justiça. Hoje creio que tudo isso era um mito.
Desde o princípio Fidel Castro optou por uma linha de socialismo soviético, que
lhe dava um poder absoluto. Mas o desencanto demorou a chegar, como acontece
sempre com os mitos que demoram em se desfazer. [...].
O senhor escreveu um
livro sobre a civilização do espetáculo. Ela é uma ameaça à democracia?
–Esse é outro problema do nosso tempo. A alta cultura sempre
proporcionou diversão e entretenimento. Mas a diversão não é a função principal
da cultura, como se pensa hoje. A cultura tem como missão fundamental manter
vivo o espírito crítico. A cultura nos coloca em contato com mundos criados, artísticos,
que são confrontados com o mundo real. Ela nos faz ver o mundo real desde a
perspectiva de mundos imaginados, geralmente mais ricos, mais intensos, mais
perfeitos. Isso cria em nós um desassossego, uma inconformidade em relação ao
mundo real, e é daí que nasce o espírito crítico – que é o elemento
transformador das sociedades. Uma sociedade culta no sentido tradicional da
palavra é mais difícil de enganar por governos mafiosos e autoritários. Se tudo
se torna frívolo, puro entretenimento, perde-se esse efeito crítico e
transformador da cultura. Leia
na íntegra