Depois das duas habituais doses de uísque, ele levantou-se e anunciou:
“Meus amigos, me deem licença porque vou usufruir da minha própria e agradável
companhia”. Mulher e filhos viajando, foi para casa, onde só teria de
dar comida ao cachorro e deitar-se no sofá, curtindo a solidão. Saia do bar bem
mais inteiro do que chegou.
Ele poderia ter
citado o filósofo alemão Arthur Schopenhauer quando disse que “a solidão é a
sorte de todos os espíritos excepcionais”. Ou o padre Henri Lacordaire:
“É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio”. Mas não
era o caso. Ele só queria apreciar a sensação de estar em casa sem ninguém
pedir nada a ele.
“Eu e meu ego”, disse ele, saboreando cada sílaba. “Como eu gosto de
mim.”
O fato é que a solidão é um prazer para poucos. Para a maioria é tormento
que segue o pensamento aristotélico, segundo o qual, “quem encontra prazer na
solidão ou é fera selvagem ou é Deus”. E assim, a maioria das pessoas dispensa
uma das melhores sensações que podem ser experimentadas: um mergulho na própria
alma. Sem palpites externos.
Nos últimos anos,
principalmente depois da ascensão das chamadas redes sociais, aflorou uma falsa
sensação de coletividade baseada na posse de um telefone que amplia os
horizontes do conhecimento ao mesmo tempo que reduz a convivência íntima – a
não ser que se chame de intimidade a proliferação de filmes e fotos de nudez
que são publicadas todo dia.
As discussões via
internet, principalmente as mais acaloradas, forjam uma falsa sensação de vida
social. Mas não há discussão boa sem a umidade dos perdigotos e a
indignação dos socos na mesa; não há entendimento sem o intransferível embate
pessoal, não há resultado nesses estéreis e covardes debates virtuais.
Da mesma maneira, a intimidade pessoal construída no mundo virtual é
uma farsa e aprofunda a sensação de deslocamento pessoal na sociedade. Traz a
ilusão que uma pessoa com muitos amigos na rede é popular – ou tem alguma
importância.
A solidão não é vilã:
pode ser produtiva. Todos os livros, por óbvio, foram produzidos nos
momentos em que o autor estava entregue exclusivamente a sua história, embora
possam ter sido criados a partir de convívio social; o mesmo acontece com os
quadros que, quando muito, são divididos entre o artista e o modelo.
Mas a maioria das
pessoas não sabe o que fazer com o próprio corpo e muito menos com o próprio
pensamento. E este foi o motivo principal para que os britânicos
criassem o Ministério da Solidão, que vai cuidar de nove milhões de solitários
que sofrem com várias doenças que o isolamento trouxe. É o que a primeira-ministra
Thereza May chamou de “triste realidade moderna”.
Eu prefiro ficar com
o poeta Rainer Maria Rilke: “Uma única coisa é necessária: a solidão. A
grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas,
é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só”.
Paulo Pestana é jornalista.
Publicado no Correio Braziliense em 28/01/2018